Pra quem gosta de histórias mal contadas...

A vida como ela é, o mundo bizarro, monga, a mulher gorila, o maior espetáculo da terra, a luz, a sombra, a mulher, o homem, a barba, os bárbaros, as invasões, os ciganos e o gelo... tudo isso por um precinho módico.Bem vindo ao teatro das ilusões!!!

 

quinta-feira, setembro 28, 2006

 

Dália Negra 



Muita gente pode deixar a sala de cinema após a exibição de Dália Negra sem entender direito a experiência pela qual acabou de passar. A primeira coisa a fazer diante de tal situação é lembrar: você acaba de assistir a um filme de Brian de Palma. Ou seja, você não entrou numa história: entrou no Cinema. Uma vez inserido nesse universo, há que se estar preparado para aceitar instabilidade própria da imagem, com tudo que ela tem de dúbia, fugaz, efêmera. Nesse mundo, o do Cinema, nem tudo é o que parece: o movimento, a profundidade, a verdade é uma ilusão. Teatro de sombras, caverna de Platão, feitiço de Maya: fazer Cinema é construir mundos a partir do nada, de maneira que a negação desse mundo, por ele mesmo, seja capaz de nos trazer novamente para o mundo de cá – o mudo dos cheiros – tranformados.

Brian de Palma sabe disso, por isso o mundo dele guarda um quê de onírico, de noir. Nos sonhos, nada é exatamente o que parece. Os sonhos são, mais do que formas, intensidades que se sucedem. Intensidades que operam na cabeça (no corpo, nas veias, no coração) de quem sonha. A inquietação pós-filme que Dália Negra é capaz de gerar, de certa maneira, parece nascer desse efeito de pesadelo que ele exerce sobre o expectador.

É próprio dos sonhos também a recriação do real, o aproveitamento dos conteúdos da perceção para a construção de outros mundos. O sonho é também memória, memória sempre distorcida, retrabalhada, mista, deformada: memória desmemoriada. Em Dália Negra o aproveitamento das memórias cinematográficas mais caras a de Palma se fazem presentes, sob nova roupagem. Em dado momento, a supressão do tempo pela subjetividade do personagem – como na cena da escadaria de Intocáveis, como na cena do baile em Carrie, a Estranha, como na cena do atropelamento em Femme Fatale – está lá, incrustada na cena em que Lee (Aaron Eckhart) é assassinado por uma sombra. A percepção da insanidade alheia pela câmera-personagem está lá – como em Carrie, na relação dela com a mãe – na cena em que Bucky (Josh Hartnett) conhece a família de Madeleine. O susto – o engano! – de Bucky, ante a visão do corpo esquartejado de Short (Mia Kirshner), que remete aos finais de Vestida Para Matar e, novamente, Carrie, a Estranha – é uma assinatura do diretor. Todos os elementos que ajudaram a fazer da cinegrafia de de Palma uma referência indispensável estão presentes em Dália Negra, um filme tão pessoal que mereceu a participação do próprio de Palma, na voz que dirige Short ao longo dos diversos vídeos que pipocam ao longo do filme.

A sensação incômoda/intensa que Dália Negra deixa no expectador não nasce da história rocambolesca. Nasce da busca equivocada de um solo firme para assimilar a história. Porque esse solo firme, quando baseado na história, não existe em realidade. O que existe de concreto é a direção, a voz, a mão criadora por trás da câmera. O que existe é uma deidade capaz de proporcionar uma experiência única a partir uma sucessão de luz e sombras numa tela branca. Em Dália Negra, o que existe é de Palma.

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segunda-feira, setembro 25, 2006

 

O mais belo de meus melhores anos 

A Bolívia guarda um dos piores indicadores sociais da América Latina, continente com alguns dos piores indicadores sociais do mundo. Vítima de uma longa ditadura, atravessada por conflitos étnicos, dona de um cenário político complicado e às voltas com um processo de neoliberalização conflituoso, o país parece conter, em estágio avançado, uma série de dilemas que permeiam o continente sul-americano como um todo, desde os anos 60.

É esse o conturbado cenário de O mais belo de meus melhores anos, filme de Martín Boulocq, exibido neste Festival do Rio. Captado em câmera digital e calcado em diálogos que abusam do improviso, o filme diz muito do contexto latino americano atual. Muitos dos dilemas vividos por Berto (Juan Pablo Milán), Victor (Roberto Guillon) e Camila (Alejandra Lanza) poderiam ser expressados por jovens uruguaios, colombianos, argentinos, latino americanos, enfim, às voltas com regimes políticos eternamente com cara de transição numa época marcada pelo esvaziamento ideológico.

Berto é um rapaz tristonho, que parece ver como única solução para sua vida a mudança de país. Tímido, nutre uma profunda amizade por Victor, um descolado (e engraçadíssimo) funcionário de locadora que espera alcançar o sucesso como diretor de filmes pornôs. Os dois estão juntos na tentativa de vender o Volkswagen 65 de Berto, herança do avô, para que o mesmo possa comprar sua passagem para o exterior. Na amizade dos dois paira um clima algo tenso. De um lado, a extroversão de Victor e sua habilidade com as mulheres; de outro a timidez de Berto (que não é Roberto nem Alberto, mas Berto mesmo), que não parece muito à vontade no trato com o sexo oposto.

Enquanto Berto se sente deslocado em sua cidade, em suas roupas, em sua vida, Victor transita com facilidade no reduzido universo de Cochabamba. Apesar das diferenças, os dois parecem se dar bem quando juntos (apenas os dois, pois a presença de qualquer outro elemento perturba Berto ao extremo.

A chegada de Camila, namorada de Victor, à cidade (ela praticamente cai de pára-quedas no filme) altera o mundo perfeito do aspirante a cineasta. Bela e ambiciosa, Camila gosta de Victor, mas parece sentir-se oprimida pelo mundinho de Cochabamba. Ao contrário de Victor, que sente-se no lugar certo com as pessoas certas, Camila deseja algo mais.

Forma-se assim um triângulo tenso que termina por afastar os personagens, arremessando-os para caminhos opostos. De belo, em verdade, pouco há nos melhores anos desse trio, que parece vagar perdido pelas desoladas ruas bolivianas.

A câmera de trêmula e algo míope de Boulocq parece impregnada pela atmosfera do filme. Imagens fora de foco, escuras e granuladas remetem maravilhosamente aos personagens, que parecem andar às apalpadelas naquele universo sem muitas pespectivas. Não raro, vemos closes de gestos – de mãos, de pés, de cabeças – que denunciam a inconsistência dos discursos. No fundo, ninguém tem direção certa.

O mais belo de meus melhores anos foi filmado sem que os atores tivessem conhecimento do roteiro do filme. Boulocq estimulou ao máximo a improvisação de diálogos, o que dá aos mesmos uma naturalidade interessante, algo que hoje a câmera digital torna cada vez mais acessível. Os atores, importantes para que esse tipo de estratégia funcione, dão conta do recado, com destaque para a interpretação de Guillon, dono de tiradas fantásticas.

O filme de Boulocq parece sublinhar uma tendêndia do cinema latino americano contemporânea, algo que passa pela interpretação do vazio da geração pós-ditadura e da crise da geração pós-Tatcher. Filmes como os argentinos O Cachorro e Plata Quemada ou os uruguaios Whisky e Ruído dão uma vaga noção dos descaminhos nos quais o cinema (e o homem) latino americano anda transitando. Parece haver aqui uma releitura da estética do loser, quiçá uma estética del perdedor. Perdedores que, não tenho dúvidas, mostram-se, senão mais verdadeiros, pelo menos mais palpáveis que os norte-americanos ou escandinavos em suas dores.

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Ruído 

O que se pode esperar de um filme uruguaio, descrito por seu diretor como “de orçamento zero”, cuja história diz de um homem à beira do suicídio que encontra salvação num precário emprego de inspetor de ruídos, que consiste em procurar barulhos que porventura estejam a perturbar a paz de Montevidéu? Se este filme for Ruído, de Marcelo Bertalmío, a resposta é: muito.

Carente de recursos, como quase todo el tercer cine, Bertalmío conseguiu tirar leite de pedra, ancorando a obra num roteiro inteligentemente divertido e num grupo de atores que parece talhado para fazer do filme um programa extremamente interessante.

O início de Ruído nos dá a impressão de que estamos começando a assistir mais uma história de losers, dessas muito caras ao público de Sundance. Basílio, interpretada por Jorge Vísca (que, como informa, “só faz parte do filme porque é amigo do diretor”), é um homem apagado. Como empregado de uma agência publicitária, nosso anti-herói vive atolado de funções indiotizantes. Seu casamento vai de mal a pior. Seu cachorro não anda muito bem com ele e os vizinhos acreditam que ele denigre a imagem do prédio.

Quando a mulher o abandona de vez, com um sutil recado de “hasta nunca!', o suicídio torna-se para Basílio uma solução mais do que atraente. Prestes a tomar veneno (de cachorro), o pobre é surpreendido pelo toque de um celular perdido num gramado qualquer de Montevidéu. Ele atende.

É a partir desse ruído que a história de Basílio começa a mudar. Em menos de 12 horas ele consegue (ou melhor, cai em seu colo) um emprego de Inspetor de Ruídos. Sem horário determinado, com salário que só dá para os “estimulantes”, Basílio começa a percorrer a cidade na companhia de Méndez (Jorge Bazzano), seu novo superior, um homem para o qual ser inspetor de ruídos é uma vocação natural.

Arrastado como que pelo acaso, Basílio encontra em seu caminho a pequena Vera, uma menina de 13 anos que precisa resolver uma embrulhada cometida por seu tio oncologista que, vítima de câncer terminal, começou a diagnosticar o mesmo para todas as pessoas que considerava merecedoras de punição.

Aos poucos, o sentido vai aparecendo na vida dos personagens. O macacão laranja, uniforme de Basílio, funciona para ele como uma roupa de super-herói, e parece dar-lhe coragem para enfrentar diversos obstáculos existenciais. Pela primeira vez, em anos, ele parece feliz.

O filme conquista sobretudo pela simplicidade e pelo carisma dos atores. Despretencioso, Bertalmío constrói uma história divertida e inteligente, aproveitando bem os tipos que desfilam pela tela. Nada de exercícios de virtuosismo ou saídas mirabolantes. O filme vem, dá seu recado e termina deixando uma sensação de leveza. Ponto.

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Medo e Obsessão 

Um dos caminhos mais fáceis de agradar platéias no cinema é fazendo pipocar na tela belas imagens. Highways, avenidas, lagos, rios, florestas. O universo do que aos olhos, enfim. Em Medo e Obsessão, não é esse o caminho escolhido por Wim Wenders para trazer ao mundo sua visão do EUA pós-11 de setembro. A Los Angeles de Wenders faz muita coisa, menos agradar aos olhos.

Pobreza, miséria, fome, preconceito e medo. Essas são só algumas das mazelas dos EUA que Wenders traz à tona com seu filme mais recente, Medo e Obsessão. São questões com as quais não estamos habituados a nos deparar no cinema made in USA, mas elas estão todas lá. Um mundo doente, faminto, decandente, pronto para ser captado pela câmera do cineasta alemão – cada vez mais do mundo. Para capturar/liberar esse universo, Wenders opta por uma iluminação algo precária, imagens granuladas (sujas) parecem tomar onta de todos os espaços da tela no início do filme. Cubículos, lixo, carências, ausências: é em meio a isso que brota o 11 de Setembro de Medo e Obssessão.

No filme, John Diehl interpreta um veterano de Guerra com problemas mentais e fisicos que parece reencontrar o sentido para sua existência na cata de elementos suspeitos – árabes! - que possam por em risco a segurança de seu home sweet home. Paranóico, o homem vê ameaças químicas em caixas de produtos de limpeza, células terroristas em sem-tetos de turbante e riscos de atentado em simpáticos teco-tecos. O homem que vemos sofre de insônia, tem a pele suada e não dá muita atenção à própria aparência.

O contraponto (tábua de salvação) do nosso veterano é a personagem da bela Michelle Williams, que interpreta sua sobrinha. Até então morando na Cisjordânia, depois de passagens pela África, a jovem de 20 anos chega aos EUA, depois de anos, para trazer ao tio uma carta da irmã dele (mãe dela), com a qual nosso herói não tem contato desde que ela deixou os EUA.

É na sobrinha que todo o triste cenário do filme, e não apenas o tio paranóio, encontra sua redenção. Apesar de sua condição privilegiada, de sua personalidade cosmopolita e “conectada” (comunica-se com os parentes distantes com um delicado notebook), a jovem parece não se abalar com o ambiente de dor em que é arremessada. Hospedada num albergue para sem-tetos, ela não demora a tornar-se útil e querida. A menina é um hálito fresco na tensa atmosfera daquela Los Angeles.

É com muito tato que a sobrinha vai desconstruir as paranóias do tio. Com sutileza, ela entra no jogo dele, ajuda-o em suas investigações e, por fim, estabelece uma relação de cumplicidade que garante a ela fazer com que o tio comece a transitar no outro lado. É esse espírito de bondade que vai tomar conta da parte final do filme. É dessa relação entre o angelical e o atormentado que vão nascer algumas das cenas de maior sensibilidade do filme, como quando o nosso patriota descobre o que há de patético em si mesmo e se abre para um possível recomeço. Oportunidade assegurada pela irmã doente, que, na (belíssima) carta finalmente lida por ele, parecia já saber que faria um duplo bem ao enviar a jovem filha em busca do tio americano: primeiro ao devolver a filha à América já tão distante; depois, ao devolver o irmão à humanidade por ele perdida.

Ao final, medo e obsessão dissipam-se numa atmosfera de esperança, que faz acreditar que - quem sabe! - as duas torres possam ser reconstruídas sobre novíssimas bases. O filme colocado-nos, enfim, diante da beleza – por um caminho sob muitos aspectos inusitado.

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Acidente 

Uma das definições dicionarísticas para acidente fala em “acontecimento casual, fortuito, inesperado”. Se tomarmos esse aspecto do verbete para considerar o documentário dos mineiros Cao Guimarães e Pablo Lobato, que participa da Mostra Competitiva do Festival de Cinema do Rio deste ano, fica realmente difícil evitar um olhar de esguelha para a obra. Acontecimentos fortuitos e inesperados são fenômenos raros no documentário. O que salta aos olhos, isso sim, é, parodoxalmente, um desejo incontrolável de controlar. A obsessão pela beleza da imagem parece fazer com que os diretores se ocupem exaustivamente de todos os minimos detalhes, deixando pouco espaço para acidentes de percurso.

De acordo com suas palavras, ditas antes da primeira exibição do filme (Odeon, dia 24), os diretores buscavam criar uma obra do tipo que nasce nascendo, surge, por assim dizer, à medida que a vida flui diante das câmeras. A verdade dos frames, no entanto, parece desconstruir esse discurso. O que se vê em Acidente é sobretuo cuidado, orquestração, reconstrução do real em busca de um ideal, seja de beleza, seja de discurso (com ou sem palavras).

Cada cena de Acidente parece ter sido pensada à exaustão. Enquadramento, luzes, sons, cortes, tudo parece entrar no momento exato para gerar um efeito específico. E nesse sentido, o filme até funciona. Fica, falando sem rodeios, bonito. Beleza que, no entanto, não faz de Acidente nenhuma obra-prima.

Numa acepção mais filosófica, de acordo com o Houaiss, acidente pode significar, um “aspecto casual ou fortuito de uma realidade, que, por esta razão, é irrelevante para a compreensão do que nela é essencial e imprescindível”, por exemplo, “a cor azul de um tecido é um acidente que, por sua presença, não transforma a natureza essencial desse objeto”. Sob esse ponto de vista, fica mais fácil posicionar a obra da dupla mineira. Resumidamente, o documentário registra acontecimentos do dia-a-dia de 20 pequenas cidades do interior de Minas Gerais. Bucólicas ao extremo, as localidades parecem aqueles lugares dos quais a primeira impressão que se tem é: “não acontece nada por aqui”. Tomada após tomada, Guimarães e Lobato buscam desmentir essa concepção, detendo-se com suas câmeras no “irrelevante”: um copo balançado pelo vento, uma canção caipira cantada por uma dupla de velhinhos melancolicamente felizes, uma briga de cães de rua lindamente interrompida pelo cinegrafista, flagrado por um dos animais.

Até aí tudo bem. Sabe-se do poder que tem o cinema de oferecer novas possibilidades para o olhar, novas janelas para o mundo. Acontece que no filme a observação dos “acidentes” parece esconder um desejo outro, uma vontade de compreeder “essencias”. Para isso, vale recorrer ao estilo Flaherty de documentar para re-criar situações. Há no filme a tentativa de extrair um à vontade dos personagens/pessoas que desfilam pela tela. A construção, no entanto, parece ruir diante do excesso de beleza que se quer em tudo por.

O desejo de controle pula da tela lá pelo meio do filme, quando, num ponto chave, os diretores conversam com Black, uma moça, digamos, descolada que, a seu modo, se vangloria da própria personalidade. Estamos na rua, à luz do dia. A mulher fala empolgada, exibindo orgulhosa o corpo, o seio: “Pergunta aí, todo mundo conhece a Black”. Corta. Estamos agora num quarto escuro. Noite. Sob parca iluminação, vislumbramos a silhueta da Black. É outra Black. Agora, em contraste com a imegem imediatamente anterior, seu olhar, entre as sombras, espalha no ambiente uma profunda tristeza. Ao fundo, uma música pesada ressalta o dramático da situação. Numa cena, o brilho da Black se esvai. Vemos a Black como os diretores querem que a vejamos, como alguém que “faz festa para esconder a tristeza”. De acidental, quase nada.
O interessante é que – acidentalmente? – o filme de Cao Guimarães e Pablo Lobato ganha importância no documentarismo brasileiro recente justamente por passar longe da escola Coutinho de entrevistas e metalinguagem, espaço onde o inesperado, de fato, dá as caras. Em vários pontos, Acidente tem uma estrutura clássica que, como dito acima, remete frequentemente às experiências bem sucedidas de Flaherty, nos primórdios do gênero. Em Acidente não existe a denúncia do sujeito por trás da câmera. Interessa mais a construção do que a reflexão. A beleza, em Acidente, está na justamente na ausência do acidente.

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